Euphoria – polêmico e forte, mas necessário

Antes mesmo de estrear, a série norte-americana Euphoria gerou uma série de polêmicas. Devido ao seu conteúdo pesado e cenas fortes de sexo, nudez e de abuso de drogas entre adolescentes, muitos pais ficaram preocupados com o teor da série. Nos Estados Unidos, um grupo parental chegou a entrar com a uma petição para que a HBO parasse de exibir a série. Euphoria chocou e gerou polêmicas, porém pelos motivos errados.

Trailer oficial da primeira temporada de Euphoria

Exibida entre junho e agosto deste ano,  a série acompanha a trajetória de Rue, uma adolescente de 17 anos que acabou de sair da reabilitação. De início, Rue decide continuar com o uso de drogas, mas após conhecer e ficar amiga Jules, uma garota trans que acabou de chegar na cidade, encontra uma motivação para lutar contra o vício e a depressão.

As protagonistas Jules e Rue pouco depois se conhecerem /Imagem: Reprodução

Euphoria é a primeira produção da HBO sobre adolescentes e uma das poucas séries do gênero que consegue retratar de forma tão realista essa temática. Apesar do foco principal da série ser a adolescência, o produtor Sam Levinson afirma que o público-alvo é o adulto e que pretende com a série criar um diálogo entre pais e filhos. Zendaya, interprete de Rue, notificou em seu Instagram que a série é voltada para maiores de dezoito anos.

Só um lembrete antes da estreia de hoje, ‘Euphoria’ é feita para o público adulto. É um retrato honesto e cru de vício, ansiedade e as dificuldades da vida hoje. Há cenas que são gráficas, difíceis de assistir e podem ser um gatilho. Por favor, só assista se sentir que pode lidar com isso. Faça o que é melhor para você. Eu ainda vou amar e sentir o apoio de vocês. Com amor, Daya

Zendaya

Rue é tanto protagonista quanto narradora da trama. Ao decorrer da série, ela apresenta não apenas a sua história, mas também de seus colegas de escola, que, assim como ela, enfrentam dilemas e inseguranças típicos da adolescência, mais especificamente da Geração Z. Filhos da internet, a juventude representada em Euphoria vive em busca de sensações e sentimentos extremos sem se preocupar com a exposição e a repercussão nas redes sociais e com as consequências disso.

“E eles estão apenas buscando algo para fazer tudo parecer ter um sentido. mas, às vezes, eu apenas sento e penso, vida, qual é o sentido?”/ Imagem: Reprodução

Muito além das polêmicas, Euphoria é um retrato cru e fiel desta geração. A série aborda temas atuais como abuso de drogas, transtornos psicológicos, sexualidade, gênero, relacionamentos abusivos, gravidez na adolescência, aborto e pornografia de forma realista e consciente, sem cair nos clichês e na glamorizarão de outras séries teens.

Eu queria fazer na televisão algo que não dependesse de pessoas falando sobre o que elas sentem e fazem, porque eu acho que um dos principais aspectos de ser jovem – um dos mais difíceis – é não ser capaz de articular como você se sente.

Sam Levison, produtor da série

Confira alguns dos assuntos abordados em Euphoria:

Atenção: pode conter revelações de enredo (spoilers)

Abuso de drogas e transtornos psicológicos

Quando criança, Rue Bennett foi diagnosticada com transtorno de ansiedade generalizada, transtorno obsessivo compulsivo, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e possivelmente com transtorno afetivo bipolar.

Aos 13 anos, o pai de Rue adoeceu e ela ficou responsável em tomar conta dela, já que a mãe precisava trabalhar para pagar o tratamento. Exposta aos medicamentos do pai, Rue passou a usá-los para fugir da realidade e da ansiedade que tanto atordoava.

Os transtornos de Rue influenciaram desde cedo a sua percepção da realidade. Com a morte do pai, o quadro mental de Rue piorou, deixando-a totalmente entregue às drogas e aos medicamentos controlados, como uma válvula de escape para aguentar suas frustrações e tentar fugir dos problemas. A história da protagonista é contada por ela mesma ao decorrer de toda trama, revelando as angústias e as dores de Rue.

Rue no primeiro episódio/ Imagem: Reprodução

Além da dependência em drogas, Rue mantêm também uma dependência emocional. Após conhecer e se apaixonar por Jules, Rue substitui as drogas por um amor idealizado e platônico, que não existe da forma que ela gostaria.

Rue no último episódio da série/ Imagem: Reproduçã0

O arco de Rue é um dos mais polêmicos da série. A forma realista e até mesmo angustiante que a vida da protagonista é representada gera muitas reflexões sobre o abuso de drogas na adolescência como forma de libertação dos problemas.

Masculinidade tóxica e relacionamentos abusivos

Bonito, forte, rico, popular e jogador de futebol americano, Nate Jacobs (Jacobi Elordi) é o típico playboy de séries e filmes adolescentes. Porém, por trás dessa imagem idealizada, Nate é um um rapaz violento, que abusa psicologicamente e fisicamente da namorada Maddy para provar e afirmar a própria masculinidade.

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Nate no primeiro episódio de Euphoria/ Imagem: reprodução

A origem do comportamento violento de Nate está no próprio pai, Cal Jacobs (Eric Dane). Quando criança, Nate descobriu uma coleção de dvds pornográficos de seu pai com garotos muito jovens. Para negar a própria sexualidade, Cal criou o filho ensinando comportamentos machistas e reproduzindo uma masculinidade tóxica e perigosa.

Como o pai, Nate tem dúvidas sobre a própria sexualidade e não consegue aceitá-la, o que resulta numa obsessão e perseguição por Jules e numa relação extremamente abusiva com Maddy. Ao decorrer da série, Nate acaba demonstrando fortes sinais de psicopatia para conseguir se safar das acusações de agressão contra a namorada e afirmar o seu status na escola.

Maddy e Nate/ Imagem: Reprodução

De origem latina e humilde, Maddy Perez (Alexa Demie) encontrou em Nate uma forma de viver uma vida de luxo e de ser uma mulher diferente de sua mãe, que trabalha em salão de beleza atendendo mulheres ricas. Desde criança, Maddy sonha em ser como essas mulheres, que não fazem nada e vivem cuidando da aparência e do corpo.

Mesmo consciente dos abusos e da violência, ela não consegue sair da relação pois enxerga em Nate o grande amor de sua vida e a realização de todos os seus sonhos. O drama de Maddy é retratado de forma dolorosa e pesada, mostrando o quão é difícil para uma mulher sair de uma relacionamento tóxico.

Sexualidade e gênero

No primeiro episódio, Jules Vaugh conhece um homem em um aplicativo de sexo gay e o encontra em um motel da cidade. Jules descobre que o homem é casado e tem uma família, mas ela parece não se importar. Nos episódios seguintes, é revelado que Jules busca sempre o mesmo padrão de homem – mais velho, branco, rico, casado e pai de família – como forma de chamar atenção e ainda afirmar a sua identidade feminina.

Jules indo encontrar o homem mais velho que conheceu por aplicativo/ Imagem: Reprodução

Jules é uma garota transsexual, com uma expressão de gênero diferenciada e com um grande coração, o que acaba chamando a atenção de Rue e de Nate, por quem mantém conversas secretas e picantes e compartilha nudes pelo aplicativo de sexo. De inicio, Jules não sabe que está conversando de fato com Nate e acaba se apaixonando pelo rapaz.

Uma das muitas conversas de Jules pelo celular/ Imagem: Reprodução

Hunter Schafer, atriz que interpreta Jules, também é transgênero. Para a atriz, a transsexualidade é retratada na série de forma natural, sendo também importante para a aceitação e a descoberta de jovens que não se identificam com o gênero de nascença.

“É preciso haver mais papéis onde as pessoas trans não estão apenas lidando com trans, eles estão sendo trans enquanto lidam com outros problemas. Somos muito mais complexos do que apenas uma identidade”

Hunter Schafer

Empoderamento x objetificação

Interpretada pela atriz Barbie Ferreira, que é filha de brasileiros, Kat Hernadez inicia a série como uma menina tímida e introvertida, que tem dificuldades em aceitar o corpo fora do padrão. Apesar de ser quase invisível na escola, Kat é extremamente popular na internet, principalmente na rede social Tumblr, onde escreve fanfics eróticas da banda One Direction. A vida de Kat se transforma quando ela perde a virgindade em uma festa e, em seguida, descobre que foi filmada no momento da relação e que o vídeo foi vazado.

Quando descobre que sua “sex tape” está fazendo sucesso em um site de vídeos pornográficos, Kat vê uma oportunidade de empoderamento e passa a produzir vídeos eróticos e conversar com homens na webcam. O sucesso de Kat como camgirl passa a refletir também em sua vida real, aumentando sua auto-estima, confiança e atraindo atenção de homens que antes não olhariam para ela. 

“Não há nada mais poderoso que uma garota gorda que não está nem ai para isso”/ Imagem: Reprodução

Enquanto Kat usa o corpo como forma de empoderamento e de libertação, Cassie sofre com a objetificação e sexualização desde o início da puberdade. O arco de Cassie Howard (Sydney Sweeney) gira em torno de seu relacionamento com Chris McKay (Algee Smith), um rapaz bonito e popular da faculdade, que demonstra por ela interesse além do sexual. No decorrer da trama, McKay acaba revelando ter os mesmos pensamentos que outros homens têm sobre Cassie, reproduzindo uma série de abusos.

Cassie com McKay em uma das festas da faculdade do namorado/ Imagem: Reprodução

Em todos os relacionamentos passados, Cassie teve sextapes e nudes vazados pelos namorados, gerando uma reputação ruim dentro do colégio. Diante tanta exposição, a personagem passa a acreditar que tudo que ela tem a oferecer é o seu corpo, refletindo em uma personalidade passiva e numa busca inconsciente por aceitação masculina, mesmo que isso signifique permitir que seus momentos íntimos sejam compartilhados nas redes sociais.

Nudes: a moeda do amor da Geração Z

A exposição online da intimidade é algo recorrente entre os adolescentes de Euphoria. Em um episódio, Rue afirma quenudes são a moeda do amor moderno”. Para as gerações mais velhas talvez isso seja difícil de compreender, mas para os mais jovens é algo que já está tão inserido no cotidiano, que se tornou natural. Euphoria não defende ou romantiza a temática, mas busca compreender e explicar o porquê dos adolescentes estarem tão imersos nessa cultura de compartilhamento de fotos e vídeos íntimos.

Kat se exibindo na webcam em troca de amor-próprio e dinheiro/ Imagem: Reprodução

Pornografia e a banalização da violência

Outro assunto muito explorado em Euphoria é o impacto da pornografia nas relações sexuais e até mesmo na vida pessoal dos personagens. Os homens acreditam que a única forma possível de sexo é a retratada na pornografia, onde a violência e a submissão feminina predominam, reproduzindo o que assistem muitas vezes de forma não consentida. Euphoria problematiza e discute os efeitos nocivos da pornografia não apenas na juventude atual, como também em toda sociedade e na formação do indivíduo.

O relacionamento de Cassie e McKay é marcado por uma submissão sexual e não consentida típica da pornografia/ Imagem: Reprodução

Em tempos onde a adolescência se mostra ainda mais complexa devido a internet e as transformações sociais, Euphoria é uma produção necessária e obrigatória para quem precisa aprender a lidar e quer entender os adolescentes de hoje em dia.

Rue e Jules em cena do último episódio/ Imagem: Reprodução

Muito mais que influenciar o uso de drogas e o vício, Euphoria cumpre o papel de conscientizar e dar voz a uma geração que precisa ser ouvida além do Tumblr, Reddit e Instagram. Sobre essa questão, o ator Eric Dane, que interpreta Cal Jacobs, explica:

Certamente não é uma carta de amor para drogas ou vício em drogas, mas é um conto preventivo, essas são algumas circunstâncias bastante realistas e como esses jovens estão lidando com elas é provavelmente como muitos jovens hoje em dia iriam lidar. A série oferece uma ótica crua sobre o que significa ser um adolescente hoje – dependência de drogas, conflito pessoal. Quando você está enfrentando problemas como esse, você faz um desserviço ao não ser sincero

Eric Dane

E os fãs de Euphoria podem comemorar porque a HBO renovou a série para mais uma temporada e promete solucionar as questões que ficaram em aberto e desenvolver melhor alguns personagens. Enquanto a segunda temporada não chega, relembre o enigmático e belíssimo final, que gerou muitas teorias e questionamentos. O que será que aconteceu com Rue? Deixe sua opinião nos comentários e participe da discussão.

Sequência de encerramento do último episódio de Euphoria. A música é cantada pela própria Zendaya, que interpreta Rue

E se você ainda viu, tire um tempinho para maratonar. São apenas oito episódios. Assista e volte para participar de nossa enquete e para teorizar sobre o destino de Rue.

ENQUETE: QUAL TEMA FOI MAIS BEM EXPLORADO EM EUPHORIA?

*Texto realizado para a disciplina de Webjornalismo

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